terça-feira, abril 23, 2013

Casagrande e Senzala: uma história do doping no Futebol Clube do Porto

     Subitamente, um coro de virgens ofendidas ergueu-se do seu decrépito Asgard e, atirando discretamente areia para os olhos da comunicação social, tentaram denegrir a corajosa história relatada por Casagrande, apelidando-a de infamante e difamatória. Houve até alguém que, julgando ter maior veia humorística que a de Jô Soares (não é preciso muito), tentou fazer uma ligação deste episódio à instituição Sport Lisboa e Benfica.
      Haja desfaçatez!
      É claro que a imprensa foi logo procurar a solução mais fácil: Domingos Gomes que, apesar de ter pecado por omissão, era o que menos mandava no Departamento Médico...Claro, negou tudo!
      Vamos por partes:
      A História do doping no F.C.Porto é conhecida e comentada até pelos seus adeptos na velha lógica de os fins justificarem sempre os meios. Remonta a Agosto de 1958 quando foi contratado o húngaro Béla Guttmann que, sem o conhecimento da sua estrutura diretiva, solicitava aos seus jogadores que 24 a 48 horas antes de desafios decisivos, bebessem um chá por si elaborado. Já no Benfica, o treinador campeão europeu seria confrontado e insultado pela esposa do guarda-redes Costa Pereira, alegando que aquela beberragem havia provocado alucinações e impotência ao seu marido. Inquirido pelos jornalistas, Eusébio juraria aquilo seria apenas chá verde muito açucarado
     A dopagem instalar-se-ia como prática quotidiana nas Antas pelas mãos de José Maria Pedroto que, em 1976, contrata o famoso bruxo Zandinga que, como se movimentava com facilidade para o estrangeiro, regressava sempre com substâncias milagrosas. Até que, um dia, um extremo brasileiro chamado Jairo desmaiou em pleno treino devido a uma arritmia cardíaca e o facto foi comunicado ao presidente Américo de Sá, homem de grande honorabilidade, rígidos princípios morais e quiçá, o mais honesto de todos os presidentes da História do FCP. Como tinha legítimas aspirações políticas enquanto dirigente do CDS e como desconhecia as substâncias químicas  que constavam nos «suplementos vitamínicos» administrados por Pedroto aos seus jogadores, esvaziou alguns poderes ao seu jovem Chefe de Departamento de Futebol (já adivinharam de quem se trata?) que conhecia a situação, mas que a havia omitido por tal beneficiar os seus interesses pessoais de ambição hierárquica.
      Tal acareação conduziu lentamente ao famoso Verão Quente de 1980, em que Pedroto, António Morais e Pinto da Costa foram saneados e metade do plantel do FCP (por solidariedade) não se apresentou no início da época, preferindo fazer a sua preparação física nos pinhais do Norte sob supervisão do «Bitaites» Hernâni Gonçalves. E para treinador, Américo de Sá contratou um austríaco chamado Hermann Stessel que trouxe consigo um credenciado cardiologista germânico que se apavorou com os índices cardíacos apresentados por alguns jogadores portistas.
       Era a época em que no ciclismo, Joaquim Agostinho celebrizara a célebre boca «ninguém ganha etapas nos Pirinéus comendo só bifes de vaca...»
       Os convites não faltaram a Pedroto: vendo ser-lhe fechadas as portas de Alvalade por João Rocha não ter compactuado com a estratégia de pagamento de luvas a árbitros, um jovem Pimenta Machado apresenta um ambicioso projeto à velha raposa que aceita trabalhar em Guimarães. A estrela da companhia era um  jovem de vinte anos chamado Blanker, emprestado pelo Saragoça (por limitação de estrangeiros no campeonato castelhano) e resgatado aos escalões jovens do Ajax como o «next big thing». Mas, após um jogo renhido com o Penafiel em que o holandês marca o golo da vitória, este começa a vomitar abundantemente e a entrar num estado de gélida catatonia. O seu pai (e, ao mesmo tempo, empresário) irrompe pelo balneário e, pensando que o filho estava em risco de vida, começa a despejar resmas de bordoadas no corpo do velho técnico e só a intervenção do capitão Ramalho e do jovem extremo esquerdo Fonseca (curiosamente, emprestado pelo Benfica) é que impediu que Pedroto conhecesse o seu Criador com quatro anos de avanço.
       Anos depois, o grande discípulo de Pedroto, trouxe por sua mão um parapsicólogo chamado Delane Vieira e que se ufanava de ter sido o responsável moral pela subida à primeira divisão do União de Coimbra, década e meia antes. Este místico que também se intitulava psicólogo com elevada perceção extrassensorial ganhou tamanho poder no FCP que também empresariava jogadores, contratando-os mediante elevadas comissões. Coincidentemente, o doping também entraria em força: dos inofensivos cafés com sabor esquisito servidos nos estágios até às injeções musculares divulgadas por Casagrande no programa do Jô, os jogadores do plantel azul e branco foram apresentados involuntariamente a dois irritantes efeitos secundários: a progressiva descalcificação óssea (que o próprio Casagrande sofreria na pele em pleno jogo dos quartos-de-final da Taça dos Campeões Europeus na Dinamarca, sofrendo uma arrepiante lesão que quase lhe custaria a carreira em jogo contra o Brondby) e a queda do cabelo provocada pelo estrogénio e progestagénio contidos nessas injeções e que afetariam simultaneamente os dotes capilares de Jaime Magalhães, André, Jaime Pacheco, Bandeirinha, Semedo e muitos outros que nunca mais foram convidados para protagonizar novelas latino-americanas. Em 1990, uma das estrelas da companhia, o central belga Stephane Demol (que quase havia atingido a proeza de ser o melhor marcador do campeonato devido às grandes penalidades que convertera) vendo desmoronar a enorme «trunfa» que havia construído e como não queria ser conhecido como o Yul Breyner belga, obriga a Direção portista a aceitar uma proposta de compra do passe por parte do Toulouse, ameaçando colocar a boca no trombone, caso não visse os seus propósitos respeitados...
      Todos têm os seus telhados de vidro. Independentemente da importância dos troféus conquistados pelo FCP, não se pense que o foram sem mácula. Seria de uma ingenuidade sem precedentes. Aliás, numa entrevista ao Record em dez de Junho de 2001, as palavras de Delane Vieira foram sintomáticas:
 
Jornalista- Mas Pinto da Costa continua na ribalta...
Delane Vieira- E vai continuar porque é uma situação técnica. Muitos dos vice-presidentes dele gostariam de ter o seu lugar. Ele ganhou um estatuto dentro do futebol português que será eterno. Mas também lhe digo: no dia em que Pinto da Costa deixar a presidência, o FC Porto será como a terra plantada por japoneses. Quando abandonam a terra, ela não dá mais nada.
 
      E na fazenda de Contumil, os escravos que fizeram a glória e a riqueza dos donos que moram na  Casa Grande, continuam a dormir na senzala agrilhoados às promessas da alforria da credibilidade...

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