terça-feira, janeiro 11, 2005

Por detrás da rede


Ao ver Giovanni Trapattoni, num treino do Benfica, discutir com os adeptos que o insultavam e perturbavam o trabalho da equipa, lembrei-me de prestar uma homenagem a esses heróis anónimos que defendem o seu clube intransigentemente, longe dos holofotes da fama e das luzes das câmaras, à chuva e ao vento, todos os dias e em qualquer lugar: os homens por detrás da rede.

Treinadores de bancada há muitos, nos cafés e na rua, mas são aqueles que assistem aos treinos, durante a semana, que faltam ao trabalho (ou que não trabalham, ou cujo trabalho é faltar ao trabalho), e que optam por ir ao estádio quando toda a gente vai para a praia ou para os shoppings, são esses, os indefectíveis adeptos que assistem aos treinos da equipa, que têm o meu reconhecimento.

São eles os verdadeiros defensores do templo, são eles que asseguram a mística, são eles que põem ordem no balneário, são eles, no fundo, os verdadeiros capitães. São também eles que dão cor ao futebol: a imagem de um desses “cromos”, de cara prostrada na rede, debaixo de um sol abrasador, com um lenço na cabeça – a arte de transformar um vulgar lenço numa sofisticada protecção para o couro cabeludo, com pequenos nós nas 4 pontas, foi desenvolvida por esta tribo do futebol e está hoje infelizmente em vias de extinção – enquanto fumava o seu kentucky (vulgo mata-ratos), faz parte das recordações que guardo religiosamente no meu baú de recordações. As suas teorias sobre a bola, misturadas com as maiores barbaridades sobre este ou aquele jogador, são o sumo que alimenta as páginas dos jornais e dão emprego a milhares de jornalistas em todo o mundo.

São estes homens que inspiram os nossos humoristas (lembram-se do cromo fantástico Zé Manel da Maria Rueff, onde acham que ela foi buscar inspiração?), e até já temos políticos a seguir essa filosofia (o Morais Sarmento é o primeiro de uma nova geração de políticos que, apesar de não perceberem nada de nada e não serem especialistas de nada mandam postas de pescada sobre tudo e mais alguma coisa).

Fica a minha homenagem a esses guerreiros do futebol, que encontram sempre um tempinho para ir até ao estádio do seu clube, durante a semana, e insultar os jogadores e treinadores que por lá andam. Acima de tudo são um exemplo para o país: eles mandam os outros trabalhar, quando passam as tardes a ver treinos e a mudar as pilhas do rádio. Entre eles encontram-se das mais diversas figuras da nossa praça, como taxistas, cauteleiros, empregados de mesa, desempregados, contínuos, arrumadores (estes por vezes deslocam-se a mais do que um estádio, não desenvolveram ainda a aptidão da fidelidade clubística), chulos (vêm ver os seus primos, privilegiados, que conseguiram lugares de destaque nas SAD ou nas equipas técnicas), indiferenciados, bolsistas (rendimento mínimo, pensões de invalidez, baixas e todo o tipo de esquema fraudulento da Segurança Social), entre outros, tantos que por vezes me pergunto porque razão os políticos, quando em campanha, não passam por lá, pelos campos de treino, pois ali pulula uma sociedade muito mais dinâmica e interessante do que nos mercados e feiras, alvo fácil em tempo de eleições.

Uma última palavra para Álvaro Magalhães, figura enigmática do Benfica, que puxou pelo braço de Trapattoni enquanto lhe sussurrava: “anda-te embora que eles têm razão”. Também ele, um visionário, sabe que os homens por detrás da rede têm razão, e que, mais cedo ou mais tarde, a sua sapiência lhes cairá em cima. Até lá, resta-lhes parecer ocupados e que percebem do assunto... tanto como os homens por detrás da rede.

1 comentário:

John Holmes Reys disse...

Cheira-me que este ano eu vou pagar os camarões e tu vais pagar as lagostas...