quarta-feira, março 14, 2012

Quando a nossa fé é «genética»

Se perguntarem a um brasileiro qual foi o seu maior ator de todos os tempos, uns responderão Procópio Ferreira, outros, Paulo Gracindo, mas a grande maioria optará por Paulo Autran. Este versátil paulistano tão depressa arrebatava as plateias com Shakespeare, como atingia laivos surreais com Brecht. Contrariando o que a maioria dos seus colegas pensava, Paulo Autran chegou à televisão já quase sexagenário. Não se revia nas tramas folhetinescas, mas em 1979, lá aceitou um convite da amiga Janete Clair que estava a esboçar o argumento de mais uma novela em que a ascensão social era a principal temática e os papéis principais encontravam-se já prometidos a Tony Ramos e Glória Menezes. Ora, em «Pai Herói» (exibida em Portugal cinco anos depois), havia um personagem secundário, porém carismático: Bruno Baldaracci, um chefe mafioso de ascendência italiana que dominava a criminalidade de São Paulo. Ora, Autran emprestou todo o seu talento à composição da personagem, dotando-o de uma faceta cómica e levando todos os espectadores brasileiros a torcerem pela impunidade do «criminoso». Em atos magistrais de improviso, sempre que um golpe corria mal a Baldaracci, este fechava-se no quarto, colocava um saco de gelo na cabeça e empunhava o terço, rezando fervorosamente a Deus para que a Polícia não o apanhasse.
Quando, no Sábado passado, vi a triste imagem de Vítor Pereira beijando o seu terço antes da conversão do penalty pelo Vaginildo, fiz logo um paralelismo com a personagem do Baldaracci. Serventuário dum Sistema assente na corrupção, no tráfico de influências e na rede de prostituição, o treinador do FCP remete-se ao direito de considerar-se do lado divino do Bem, como qualquer pastor da IURD que prega a caridade enquanto vive num apartamento luxuoso de dez assoalhadas e piscina aquecida.
Leccionei em Rio Caldo, pequena localidade da Serra do Gerês, entre Setembro de 2007 e Julho de 2008. Quando os alunos descobriram as minhas preferências clubísticas, inundaram-me com histórias da «Bruxa do Gerês», uma simpática e inofensiva mulher de meia-idade que tinha uma importante carteira de clientes ilustres que incluía administradores da SAD do FCP. Por isso, quando li com um sorriso uma notícia de pé de página em que um pseudo-esotérico garantia aos jornalistas ter visto um ritual satânico encomendado pelo FCP contra os jogadores do Benfica, não deixei de pensar que o concelho de Terras do Bouro voltou a receber clientes ilustres. E os rituais até têm sido eficazes: há jogadores do Paços de Ferreira que tiram fotos dos seus doi-dóis feitos por jogadores do Benfica e há fiscais de linha que intentam queixas-crime quando, em anos anteriores, árbitros lisboetas até pedem desculpas ao FCP por erros cometidos. Há com cada bruxedo, meus senhores, que, se o alho não estivesse tão caro, forraria os meus bolsos com tais folhas escamiformes...

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