sexta-feira, janeiro 07, 2005

Carlos Alberto: um virtuoso imolado pela táctica

Este blog foi criado devido a uma brincadeira de amigos, visando a missão de abordar de uma forma satírica e mordaz aspectos insólitos do nosso fértil panorama desportivo português. Mas um dia, quando este blog sair da clandestinidade e aparecer orgulhosamente referenciado na PC Guia na tabela dos 50 melhores blogs da Net, gostaria que alguém dissesse que aqueles que aqui contribuem com a sua irreverência e verborreia paródica, até percebiam um bocadinho de futebol… Desde que não seja o Manuel Serrão a dizê-lo… Em frente!
Havia muitos assuntos para debater: Maxi Lopez, a primeira contratação acertada de José Veiga, o afastamento por motivos disciplinares de Derlei e de Diego, a antevisão do derby lisboeta, mas optei, como amante do bom futebol, para escrever algumas linhas sobre a já confirmada transferência de Carlos Alberto para o Corinthians por 6 milhões de euros. Quando em Janeiro de 2004, o Futebol Clube do Porto apresentou à Imprensa as suas três contratações de Inverno, as objectivas dos fotógrafos viraram-se quase exclusivamente para Maciel e Sérgio Conceição, mas aqueles que, como nós, acompanhavam regularmente as transmissões do Brasileirão no GNT e na SportTV (é verdade, preciso de arranjar uma vida rapidamente), já estavam familiarizados com o virtuosismo que Carlos Alberto espalhava no Fluminense.
Há inúmeras semelhanças entre os estilos e os percursos de Roger e de Carlos Alberto. Ambos vieram rotulados de génios da bola mas tardaram em impor o seu estilo futebolístico. No caso de Roger, tal é compreensível. Quando chegou em Dezembro de 2000 pela mão do Bibi (não, não é mais uma revelação bombástica sobre o processo Casa Pia), Roger encontrou um Benfica esfrangalhado pela saída de José Mourinho, por indisciplina no balneário e por um plantel de qualidade confrangedora em que o único que merecia a camisola que envergava era Pierre Van Hooijdonk. Nas mãos de Toni, nunca Roger conseguiu assumir a batuta da equipa muito devido ao facto do clima de desmoralização que se vivia no balneário. Jesualdo Ferreira, que percebe tanto de futebol como um pigmeu percebe de alambiques, insistia em colocá-lo a jogar na ala direita. Camacho achava que Roger dispendia mais calorias nas rapidinhas com a Marta Cruz e com a Patrícia Tavares e deu-lhe poucas oportunidades. Só com os dois empréstimos ao Fluminense é que o «Menino do Rio» se reencontrou com o perfume do seu futebol.
Já Carlos Alberto foi vítima da «Decodependência». Quando veio do Fluminense (onde era um ícone e o jogador mais destacado) e desembarcou discretamente num FCP que jogava «de olhos fechados», teve a sorte de ter sido pescado pelo melhor psicólogo do futebol português: José Mourinho. Sou daqueles que advogam que Mourinho não é um portento em questões tácticas e que neste aspecto, apenas se limitou a colocar em prática os ensinamentos que recebeu dos Mestres Bobby Robson e Louis Van Gaal. A mais valia de Mourinho reside na sua capacidade de potencializar ao máximo as capacidades mentais dos seus jogadores, de fazê-los acreditar que, com trabalho, conseguem chegar a objectivos (quase) impossíveis. Mourinho veio fazer aquilo que já Sven-Goran Eriksson fizera no Benfica: salientar que as vitórias e os triunfos resultam da empatia e do bom relacionamento que o treinador mantém com os seus jogadores, algo que Artur Jorge e Ivic nunca fizeram, pois eram apologistas do distanciamento no balneário. O único que se consegue aproximar de Mourinho nesse aspecto é Jaime Pacheco. Acredito piamente que nenhum outro treinador teria conseguido levar o Boavista ao título de campeão em 2000/2001. Se olharmos bem para o plantel do Boavistão nessa temporada, havia apenas 2 jogadores de muito boa qualidade (Litos e Petit) e 3 de nível médio (Frechaut, Silva e Ricardo). O restante plantel era composto de jogadores de qualidade sofrível como Quevedo, Erivan, Jorge Silva, Duda e Alexandre Goulart que Pacheco se encarregou de trabalhar ao nível mental, incutindo-lhes níveis de resistência e garra que estiveram na origem do seu sucesso.
Com Mourinho, Carlos Alberto tornou-se melhor jogador. Numa equipa de estrelas, Mourinho comprovou que, apesar de teoricamente um esquema táctico de sucesso só precisar de um número 10, Deco e Carlos Alberto podiam coexistir. Carlos Alberto continuava a jogar no centro e, mercê do seu talento, Deco palmilhava os mesmos terrenos, mas derivando frequentes vezes para as linhas laterais, permitindo a Alberto explanar as suas jogadas de ataque fundamentadas nos dribles sucessivos e no um-contra-um.
Claro que Roger e Carlos Alberto também têm as suas diferenças: Roger já vestiu a camisola da selecção A, mas falta-lhe um palmarés com títulos relevantes, algo que Carlos Alberto já detém com a conquista da Liga dos Campeões e da Taça Intercontinental.
Sempre defendi que a contratação de Diego foi um erro colossal por parte da SAD do Porto. Não está em causa a qualidade futebolística daquele que, juntamente com Robinho do Santos e Magrão do Palmeiras, foi a grande revelação do Brasileirão 2004. Mas quando foi impossível segurar Deco (quem é o jogador que gosta de ser agredido pelos Superdragões em plena via pública e depois ver a sua SAD tentar abafar o caso para os jornais, fazendo passar a versão de que assaltantes queriam roubar o seu telemóvel?), Carlos Alberto era o seu sucessor natural. Mas o excessivo cash-flow fez Pinto da Costa entrar em megalomanias e surgiu em cena Diego que até agora ainda nada provou (não é o golo contra o Chelsea que fará esvanecer quatro meses de exibições tristonhas e descoloridas…). E Victor Fernandez (Ou será Luiz?) pôs Diego a fazer o papel de Deco, derivando Carlos Alberto para o banco ou então para a ala direita. O já saudoso Stanley Matthews disse um dia que um jogador excelente é aquele que tem uma grande polivalência e que tanto se sente à vontade a jogar a libero, quer como ponta de lança. No futebol moderno, tal afirmação é no mínimo risível e se queremos obter o máximo rendimento de um jogador que joga na mesma posição desde os infantis, nunca podermos adaptá-lo a uma posição estranha e esperar que tudo corra bem. Fernandez incorreu nesse erro e sacrificou a técnica, velocidade e capacidade de finta do jogador, encostando-o a uma linha lateral onde, por mais do que uma vez, se tornou visível a maior limitação de Carlos Alberto: os cruzamentos.Assim, o génio sai pela porta pequena. E como é habitual, foi logo manchado por epítetos pouco abonatórios que iam desde acusações de proxenetismo até à de desestabilizador de balneários. Os adeptos fanáticos são sempre assim: uma vedeta que saia do clube sofre sempre uma rápida metamorfose: passa de intocável a dispensável numa fracção de segundo. Como benfiquista, aplaudo freneticamente a sua transferência até porque acredito que Diego ainda tardará a adaptar-se e porque Jorginho já está apalavrado com o FC Porto desde Outubro e não virá trazer nada de novo. Mas como amante do bom futebol, fico triste por ver Carlos Alberto partir. Espero que regresses a Portugal brevemente, Carlos. Desta vez de águia ao peito...

Sem comentários: